O lugar da palavra escrita nas discussões literárias

Por Aline Evangelista Martins

As discussões literárias são práticas consolidadas na Escola da Vila. Desde que são muito pequenos, os alunos leem juntos, discutem a leitura e, coletivamente, constroem sentido para textos cada vez mais complexos. Para essas ocasiões, são escolhidas obras desafiadoras, cuja interpretação requer mediação e interação com os pares.

O comprovado potencial dessa prática para a formação do leitor e o destaque que damos a ela na nossa rotina justificam os esforços que vêm sendo feitos para a ampliação dos espaços de leitura e de conversas sobre livros. É o caso, por exemplo, do Clube de Leitura Vilalê, que já está na segunda edição.

Outra conquista importante é o uso do fórum de discussão no Ambiente Virtual de Aprendizagem, um recurso bastante promissor, cujo potencial vem se revelando maior a cada experiência.

O primeiro ganho que identificamos no uso dos fóruns foi a possibilidade de promover a interação entre alunos que normalmente não participam juntos das conversas literárias, por estudarem em classes diferentes. Houve também um imediato reconhecimento de que a discussão no fórum amplia o tempo didático destinado a esse tipo de situação, haja vista que, até então, a interação que só era possível no tempo da aula poderia se estender para os momentos de estudo autônomo (leitura feita em casa).

Posteriormente, chamou-nos a atenção o fato  de que, no fórum, podemos ter acesso à palavra de todos os alunos, enquanto na sala de aula alguns se inscrevem voluntariamente e outros são convidados a colaborar, entretanto é muito difícil que o grupo todo se expresse durante a discussão. Percebemos, também, que o fato de os alunos terem tempo para ler as colocações dos colegas e elaborar/revisar a participação criava boas condições para que desenvolvessem experiência e segurança para contribuir nos debates, inclusive os presenciais. Sobre isso, cabe destacar que a leitura compartilhada, feita na sala de aula, bem como as discussões literárias presenciais não perderam espaço nem importância na nossa prática pedagógica. Continuamos dedicando muita atenção ao planejamento e ao encaminhamento desses momentos privilegiados, em que podemos ler, comentar, discutir, confrontar interpretações, imaginar e viver a experiência da leitura em toda a sua complexidade. O grande ganho que temos observado é que a articulação entre o trabalho presencial e a discussão por escrito tem criado novas oportunidades e possibilidades muito férteis, que impactam positivamente o trabalho.

Observemos o exemplo a seguir.  Trata-se da reflexão de uma aluna acerca do fórum que foi promovido para a discussão sobre o livro escolhido para leitura autônoma no 2o trimestre do 7o ano.  Dentre quatro opções apresentadas, cada aluno escolhia uma; para as discussões no fórum, os alunos foram agrupados de acordo com a escolha e cada grupo contava com a acompanhamento de uma mediadora, que, semanalmente, propunha um tema e acompanhava o andamento da discussão. Ao longo desse processo, não apenas obtínhamos notícias sobre o andamento da leitura, como também identificávamos os focos de interesse, esclarecíamos dúvidas, propúnhamos questões e, dessa forma, acumulávamos informações sobre a recepção leitora do grupo e sobre cada aluno em particular.

Ao final, os alunos fizeram uma prova, que começou com a retomada do fórum. Reproduzimos a seguir a questão e um exemplo de resposta que ilustra bastante bem o quanto a leitura se torna mais interessante e mais refinada quando pode ser compartilhada com os colegas.

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QUESTÃO

No último mês, foram propostos alguns fóruns para a discussão sobre Ponte para Terabítia. Ao longo desses debates, você pôde expressar seu ponto de vista, bem como conhecer as opiniões de seus colegas. Para essa prova, foi pedido que você selecionasse, nos fóruns, um comentário de um colega ou da mediadora ou uma pergunta que tenha contribuído para aprofundar sua interpretação. Transcreva aqui esse comentário ou essa pergunta e explique por que foi importante para a sua reflexão sobre a leitura.

RESPOSTA

Um comentário que me ajudou na leitura foi o da E., no tópico “Jess”:

“(...) Jess é um menino muito diferente dos outros. Ele não liga se seu melhor amigo é uma menina, ou se seu passatempo predileto não é futebol, e sim a arte. (...)”

Gostei desse comentário, pois não tinha me aprofundado muito na obra, então não sabia muito dele, e isso me ajudou muito a entendê-lo. Esse comentário me deu tempo para pensar e refletir sobre o personagem e descobrir que ele é parecido comigo, às vezes.

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Podemos observar que o fato de poder voltar ao que foi escrito pela colega, refletir sobre o impacto da colocação dela na própria leitura e escrever sobre isso favorece muito a consciência de pertencimento a uma comunidade interpretativa.

Analisando a resposta, percebemos, ainda, que, além de ter aprofundado a reflexão sobre a personagem, a leitora também aprendeu que, na interação com os colegas, a leitura se transforma, que isso requer tempo e reflexão, e que, ainda que sejam “feitas de palavras”, as personagens da literatura nos tornam mais conscientes da nossa própria humanidade.