Viagem à sala de aula

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Por Susane Sarfatti

Possivelmente, Amyr Klink, o famoso navegador brasileiro, ao ler o verso de Fernando Pessoa “Navegar é preciso, viver não é preciso”, não interpretaria a palavra “preciso” com o significado de “necessário”.  Explico melhor: em uma entrevista, depois da viagem solitária à Antártida, perguntaram a Amir se ele não temia as aventuras a que se propunha, e ele respondeu que não fazia aventuras, fazia projetos precisos, calculados, previsíveis.

Afinal, aventura significa “se expor, se arriscar, correr perigo”, o oposto da ação de Klink, em que planeja minuciosamente sua travessia. Ele antecipa problemas, reflete sobre soluções, busca patrocínios, organiza os materiais, calcula o tempo, constrói o seu barco, e sai a navegar.

Analogamente às viagens marítimas, podemos verificar a necessidade de planejar de forma precisa as aulas, para que não fiquemos à deriva, sujeitos a naufrágios e seus perigos.

No caso do navegador, para que ele saia do ponto A e chegue ao ponto B, é imprescindível que ele invista em uma boa embarcação; já na sala de aula, para que o professor chegue ao aluno, é preciso construir uma boa “barca de conteúdo”. Assim, as questões centrais no caso da sala de aula são: “O que ensinar?” “Como ensinar?”.

Há professores que acreditam que para ensinar basta sabero tema, descobrimento do Brasil, por exemplo. Não percebem que selecionar o conteúdo requer uma viagem mais profunda, sendo necessário pensar:

  • Quais conteúdos factuais, datas e personagens, por exemplo, ensinar sobre o descobrimento do Brasil?
  • Quais conteúdos conceituais abarcar nesse tema: colônia de exploração, o termo descobrimento?
  • Quais conteúdos procedimentos mais adequados a ensinar: leitura de textos acadêmicos sobre o assunto, apresentação de simpósios?
  • Quais conteúdos atitudinais privilegiar: a de ouvinte atento às explicações do professor, a de crítico social?

Decidida a primeira parte da viagem: “O que ensinar?”. É preciso pensar em como ensinar:

  • Quais conhecimentos os alunos já possuem sobre o tema?
  • Como gerar o interesse (desafio cognitivo) na classe?
  • Como elaborar uma sequência de atividades?
  • Quais materiais usar nas diferentes etapas do processo de ensino?
  • Quanto tempo deve-se dedicar a cada etapa?
  • Como organizar o espaço da sala de aula em cada uma das atividades propostas?
  • Quais interações propor entre professor e aluno, e entre os próprios alunos?
  • Em que momento e de que forma avaliar o ensino e a aprendizagem?

Sem dúvida nenhuma, são muitos os detalhes! A viagem é complexa, ainda mais para os professores iniciantes. Nesses casos, é imprescindível investir em planejamentos minuciosos de aulas, já que não possuem em suas bagagens experiência profissional, e nem sempre conhecimento suficiente sobre a ação na sala de aula.

A partir do planejamento do professor iniciante, o orientador/coordenador ou um professor mais experiente pode e deve fazer perguntas como as descritas acima que ajudem a antecipar problemas, prever soluções, ser mais assertivo nesse processo de ensino e aprendizagem.

É claro que esse profissional mais experiente precisa selecionar o que questionar, a depender do que recebe como planejamento do professor iniciante. Não é possível refletir sobre todos os aspectos, pois corre o risco de se perder na grandeza do mar. Para manusear com destreza as informações provindas dos diferentes instrumentos de localização, bússola, astrolábio, mapa das estrelas, é preciso ser um experiente navegador. Da mesma forma, para um professor iniciante conseguir olhar para toda a complexidade de um planejamento de qualidade é preciso de um longo percurso profissional.

Pois é. A vida não é exata, não é precisa, nem tampouco a sala de aula, que é tão cheia de imprevistos. Mas podemos tornar a situação menos arriscada planejando a viagem em seus pormenores. Boa aula!